Duas letras

Hoje me propus a escrever a partir de um viés diferente das minhas habituais dissertações. Quase sempre narro histórias para os outros, faço graça e procuro trilhar o caminho da comédia como forma de tornar o texto atraente. Até mesmo quando não vislumbro o humor como carro-chefe, sempre há uma mensagem, algo a ser dito para outrem. Uma espécie de compromisso com o leitor, com aquele amigo que vem até aqui partilhar da minha inspiração.
Não será o caso de agora. Vou me aventurar numa resenha pessoal, quase que egoísta sob certo aspecto. Ainda assim, darei vazão a esta vontade, uma vez que acredito que o resultado fatalmente atingirá os corações certos. Ou todos, se for o caso.

Bueno, adelante.

Segunda-feira, ao chegar em casa, mirei o envelope sobre a mesa. Desconfiei que fosse o regalo prometido e, de fato, estava certo. Chegou às minhas mãos a obra Saudade em Preto e Branco, primeiro livro publicado pela amiga Maria Fernanda Probst. Ou, simplesmente, Fê. Prefiro assim.
No momento em que abri a correspondência, entendi o que sentiram todos os amigos que receberam meu livro em suas residências e contemplaram a obra escrita por mim. Materializar a felicidade alheia é uma tarefa que desperta a mais pura multiplicação de alegria. É exultar pelo sucesso do outro, é ter um pedacinho da pessoa perto dos olhos, das mãos e do coração. Mentalmente, parabenizei minha amiga pela conquista e imediatamente passei a devorar as páginas com minha curiosidade inquieta.

A partir daqui, preciso separar os temas, que são três.

Inicialmente, preciso contextualizar a pessoa da autora na minha vida. Na primeira vez em que visitei o blog da bonequinha de seda, experimentei um pouco da literatura ímpar que a Fê pratica. É pulsante, diferente, tocante. Faltam-me as palavras certas para descrever o jeito dela de transformar os sentimentos em linhas, muito pelo fato de ela dizer tudo justamente onde não há palavra nenhuma. A emoção do que a Fê escreve concentra-se justamente naquele intervalo entre um vocábulo e outro, na hora em que o leitor precisa respirar e assimilar o que acabou de ler.
É claro que com o tempo a gente acostuma e, ainda que eu não seja o maior romântico do planeta, passa a assimilar melhor e até entender algumas nuances do que está dizendo a rainha das entrelinhas. É sério, essa menina fez escola, leio vários blogs de gurias que nitidamente se inspiram no estilo Maria Fernanda de escrever.
Surpreende de verdade que alguém consiga escrever temas tristes disfarçados sob a ótica do amor, e não sei se é amor, paixão, carinho, sei lá, mas é sentimento puro. Trata-se de um estilo totalmente antagônico ao meu em relação ao que desperta no leitor, mas o fato é que cativa. Toca. "Apesar de", parafraseando a dita cuja.

Segundamente (para orgulho de saramandistas e bolebolenses), falo do livro em si. Saudade em Preto e Branco está repleto do que escrevi nos parágrafos acima e muito mais. Lutei o tempo inteiro com uma vontade absurda de fechar o livro e não suportar tanta dor, só que o afeto era tanto, que a vontade de continuar aparecia ainda mais forte.
Causou-me, devo dizer, uma bruta de uma confusão sentimental. Embaralha a cabeça da gente e faz rever conceitos sobre o sentir. É isso. A cada lágrima relatada, um arrepio maroto faz recordar uma história pessoal, algo que nada tem a ver com o livro, mas ao mesmo tempo iguala tantas vidas. Em sua estreia na literatura, minha amiga Fê demonstrou a maestria de enredar o leitor contra si mesmo e, lá pelas tantas, colocá-lo diante do espelho. Nele, um bilhete fixado com fita crepe pergunta: o que eu faria se fosse comigo? Não foi à toa que o li inteiro em menos de vinte e quatro horas.

Por último, ah, essas duas letras. Quais letras? Bem, poderiam ser "FÊ", claro que sim. Um livro cujo título começa com a palavra saudade desperta, naturalmente, a falta de ter por perto essa amiga blogueira para mais conversas, risadas, presenças. Ou mesmo outras Fês que passaram pela minha vida, grandes amizades que se perderam no tempo e, por um instante, deixaram saudades. Houve sim um tempo em que eu estava rodeado de Fernandas, cada uma com seu ingrediente único e intransferível. O tempo levou cada uma para o seu lado, ficou a saudade boa, a saudade suficiente para uma reflexão.
Ampliando os horizontes, como não sentir falta de todas as outras e outros que seguiram seus caminhos distintos? Saudade, palavrinha marota, sacanagem colocar como título de livro... belisca as feridas da gente, até mesmo as cicatrizes mais seguras de que não mais sangrariam. E, nesse momento, nada resta a fazer senão lambê-las calmamente na expectativa de que não ardam por muito mais tempo.

A conclusão real a que chego é que um livro, quando desarruma a casa, bagunça os cabelos e faz tremer o coração, seja de riso ou de choro, acaba por cumprir o seu papel. Nós, que damos a cara à tapa e publicamos uma obra, merecemos ao menos o prêmio da coragem de tentar sem saber se conseguiremos. Poderíamos continuar na vida mansa, apenas abastecendo nossos humildes blogs de turbilhões de sensações contrastantes, mas resolvemos pagar para ver.
É por isso que indico aos meus amigos e leitores que também leiam Saudade em Preto e Branco, pois as duas letras merecem total atenção. Para alguns, FÊ; para outros, MF, que seja; de todo modo, prefiro sinceramente afirmar que as duas letras mais marcantes de todas, aquelas que nos levam a peregrinar no escuro escrevendo, tentando e sentindo, essas possuem um acento que faz toda a diferença.

FÉ.

Meu sincero carinho a ti, amiga.



3 comentários:

  1. "Saudade, palavrinha marota, sacanagem colocar como título de livro... belisca as feridas da gente, até mesmo as cicatrizes mais seguras de que não mais sangrariam. E, nesse momento, nada resta a fazer senão lambê-las calmamente na expectativa de que não ardam por muito mais tempo."

    Nesse trecho você conseguiu descrever algo que não consegui, e nem tenho o que falar sobre o livro, é perfeito e indiquei pra muita gente.

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  2. O que tenho a dizer sobre essa saudade em preto e branco que não foi bordada, mas impressa violentamente no coração da Fê, cinco anos atrás, eu disse em todos os textos que lia e relia no P.S. sobre o Dan e sobre esse sentimento triste que só ela conseguiria transformar em beleza. Eu disse, disse muitas vezes o quão lindo e emocionante achava estes escritos, o quanto mexiam comigo... até que o convite mais lindo desse mundo surgiu, e essa nossa amiga, Fundadora e Presidente do da Associação A.S.S.V. , me presenteou com a oportunidade de escrever a orelha do livro.
    Eu disse tanto deste livro, e tenho tanto ainda pra dizer...

    Essa Maria, é de muitas surpresas e quando a conheci, não imaginava a saudade preta que carregava no peito, porque o sorriso dela sempre foi pura flor. Depois percebi, a saudade dela é que era triste, mas ela nunca deixaria a história de amizade linda que viveu com o anjo de cabelos castanhos, ser de tristeza.
    Aí foi escrevendo e bordando sorrisos onde só havia dor, porque apesar de toda a ferida aberta que ela nos colocou no livro, eu lia sorrindo, sempre sorrindo, porque amizade linda assim, vai além das fronteiras da vida, inexplicavelmente, além da vida.

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  3. Antônio Augusto Dutra Bragança Orleans Junior... O que te dizer amigo? Caraaaaaaaaaa, eu fiquei com os olhos marejadinhos de tanta ternura ao ler esse texto mais que lindo que você dedicou à mim e minha humilde obra. Eu fiquei com o queixo caído ao ler e não imaginava que o livro pudesse ser tudo isso que você descreveu, e te ler me deixou com uma felicidade tão gritante dentro do peito, com uma vontade tão grande de me espalhar mais por aí, porque é por causa de vocês que eu eu continuo firme e forte nessa empreitada que a gente arriscou seguir.

    É um prazer imensurável Ton, tê-lo tão perto há tanto tempo. É um prazer imensurável poder compartilhar tuas alegrias e ver a pessoa que tu vens se tornando, compartilhar teu bom humor ímpar. Eu sou suspeita, basta ver os comentários de uma época que eu era mais assídua por aqui, pra ver as inúmeras vezes que eu elogiei e elogiei e elogiei a pessoa que você é e a forma que você escreve.

    Você me roubou a fala, amigo. Você me desmoronou e desestruturou inteira e eu fiquei com vontade de espalhar esse teu textinho pra todo mundo e mais um pouco, porque nunca li nada não lindo sobre mim e... UAU. Sei lá, amigo, eu simplesmente não sei como expressar o quão feliz fiquei.

    No mais, CARAMBA! Quando li "Duas letras" antes de abrir o texto, pensei que fosse pela piadinha interna no fim da dedicatória, mas ao ver todo o significado do título mestre que você deu, CARAMBA. (ó eu aqui chorando outra vez).

    Tua FÉ me desmoronou, amigo. De um jeito bom, mas desmoronou.


    Não sei dizer o quão especial vocês são para mim, cara. Não sei mensurar.


    Obrigada, amigo. Obrigada, obrigada, obrigada, obrigada, obrigada.

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