Bravatas & Gravatas

Resolver ficar em casa no feriado de carnaval é uma decisão que revela dois lados bem distintos da mesma moeda. As vantagens estão no descanso, a cidade vazia, o trânsito calmo, nada de rodovias congestionadas e duras jornadas até chegar a um possível destino; por outro lado, são quatro dias em que uma boa viagem poderia sugerir diversão, praia, paz, carnaval e futebol que, como todos sabem, não matam, não engordam e não fazem mal.
Fizemos a primeira opção e o que me resta é recordar por aqui uma história nada graciosa de outros carnavais. De todas as minhas folias, com certeza a mais séria de todas, ainda no longínquo tempo de solteiro, quando trocar a noite pelo dia nos finais de semana era uma tradição seguida à risca.
Existe aqui em Novo Hamburgo um tradicional baile de carnaval que sempre acontece na sexta-feira que antecede o feriadão. Chama-se Vermelho & Branco, o que naturalmente obriga os foliões a trajarem vestimentas das supracitadas cores. É uma festa tradicional com mais de 25 anos de existência, mas, para variar, todos os jovens da cidade participavam anualmente ao contrário da minha pessoa, que sempre tardou em descobrir as boas coisas da vida.
Naquele ano, contudo, recebi o convite de um amigo, a quem chamarei pelo nome fictício de Ferdinando, para integrar o bloco organizado por seus colegas de trabalho e finalmente conhecer a tão tradicional festa carnavalesca da sociedade hamburguense. Comprei a camiseta branca do bloco, lasquei uma bermuda vermelha nas ancas e parti para a folia.
Fazia um calor dos infernos naquela noite, onde transpirar era praticamente uma obrigação fisiológica a fim de refrescar todos os poros do corpo. Assim que entramos no salão, o cenário emulava com fidelidade um Mar Vermelho (e branco) de gente, de modo que a temperatura aumentou consideravelmente. Com a sede galopante de trinta camelos no deserto, passamos a beber cerveja em latas no modo "guti-guti" como se não houvesse amanhã. O resultado imediato foi que, passados vinte minutos de muita diversão, encontrei-me completamente embriagado e com as faculdades mentais um tanto comprometidas.
Lá pelas tantas, lembro que nos dispersamos pelo salão. Perdi Ferdinando de vista, e também seu irmão Enrico, que efusivamente nos fizera companhia na maratona de goles cervejeiros. Cheguei a tentar alguns contatos femininos pelo salão, mas fui prejudicado pela língua enrolada que comprometia minhas usuais habilidades com a Língua Portuguesa no momento do approach feminino. Passei a andar errante pelo salão no desenrolar da folia, indicadores para cima e voltimeia entoando uma ou outra marchinha conhecida que se revezava com canções malemolentes de Cláudia Leitte e Ivete Sangalo.
Enquanto isso, conta o meu amigo Ferdinando que seu estado de embriaguez o levou para o lado externo do clube em busca de um pouco de ar puro. Sentado num banco com a cabeça entre as pernas, o pobre sentiu que toda aquela cerveja que havia entrado fazia uma pressão absurda para sair. Desenfreou-se então uma sucessão de vômitos e o sujeito, que já era branco, ficou da cor do Gasparzinho. Ao mesmo tempo, sabe-se lá de que galáxia de repente surgiu à sua frente uma fantasminha camarada oferecendo ajuda. Em troca, ele deveria fingir que era seu namorado para despistar algum biltre que perturbava o sossego da donzela. Após algumas palavras trocadas no idioma ébrio, partiram para a unidade médica instalada ao lado do salão dentro de uma ambulância em busca de ajuda para o já enfraquecido Ferdinando.
Dentro da festa, já farto da missão andarilha sem êxito, resolvi também deixar o salão. Ao descer a rampa, enxerguei meu amigo sentado à beira da ambulância, o que me deixou muito feliz pelo reencontro e fez com que eu partisse rapidamente em sua direção. A partir daí, uma sucessão de erros grotescos deram início ao fim da minha diversão.
A verdade é que perdi as estribeiras. Invadi a ambulância, abracei Ferdinando como se o estivesse visitando em sua casa e, de tão à vontade, comecei a remexer nos recipientes da unidade médica em busca de algo ainda desconhecido para a mente humana. De súbito, abri um isopor e lá estava uma imponente garrafa pet cheia de refrigerante geladinho. Diante dos olhares incrédulos de Ferdinando, da amiga e dos enfermeiros, simplesmente abri a tampa e passei a beber refri no bico. Estupefactos, os enfermeiros apenas balançavam a cabeça desaprovando minha atitude, mas ainda assim permaneci armando um banzé e incomodando a todos, ignorando inclusive os pedidos insistentes de Ferdinando para que eu parasse de perturbar.
Com a macheza correndo nas veias na mesma velocidade da cerveja, ao invés de sossegar o facho passei a tirar satisfações e tentar explicar que beber o refri da ambulância no bico era uma atitude nada mais que trivial. O enfermeiro acionou um segurança, que chamou a minha atenção e ordenou que eu parasse de importunar os convalescentes do local. Insisti que não estava incomodando, ao que o enfermeiro perdeu a paciência e insinuou que a força física deveria ser usada na minha remoção. Ferdinando, ainda cambaleante, tentou intervir a meu favor pedindo paz aos envolvidos, mas aí cometi um erro que me custou caro. Usando a gíria dos boleiros, chamei o enfermeiro de "negão". Ele, que nem pra cafuzo servia, virou-se colérico para mim e chegou a estufar o peito para dar início à peleia.
Vejam bem, não sou racista, pelo contrário. Sempre convivi com gente de todas as cores e nunca vi problema em chamar fulano de alemão, vermelho, Amarelo (tenho um compadre com esse apelido), japinha e negão. Mas, vocês sabem como é a sociedade, as pessoas têm dogmas tolos e seguem-nos à risca. Quando uma fagulha de meu cérebro pensou em explicar que a expressão era puro colóquio, senti um braço gravatear meu pescoço. Era o segurança tomando uma decisão definitiva. Por instinto, tentei em vão defender minha garganta, mas foi pior e o sacripanta apertou mais ainda, fazendo com que eu emitisse grunhidos de galinha estrangulada. Fui arrastado até a saída do clube e, feito um cão sarnento, atirado na calçada para experimentar o gosto amargo da sarjeta.
Num arroubo de orgulho ainda proferi alguns xingamentos ao segurança que já virava as costas, no entanto o fiz em tom de voz deveras ameno a fim de evitar uns sopapos de brinde. Lambendo as feridas, comprei um churrasquinho de gato numa carrocinha qualquer e fiquei ali, mascando aquele fiambre até que os amigos de Ferdinando resolvessem ir embora e me dessem uma carona para casa.
Alguns bons minutos depois finalmente saíram todos da festa, Ferdinando, seu irmão Enrico e algumas colegas de trabalho, com quem fechei a noite com chave de ouro iniciando uma discussão durante o caminho até minha casa sobre o meu comportamento na festa. O golpe do segurança eu até aceitava, mas chacota de foliã bêbada não haveria estômago que digerisse. As más línguas dizem que até hoje a guria me considera um marginal.
Passada aquela experiência traumática, nunca mais fui ao Vermelho & Branco e não mais tentei adentrar a alta sociedade hamburguense em seu mais tradicional baile de carnaval. Se antes meu apreço pela folia brasileira já não era dos maiores, dali para a frente nunca mais ousei requebrar meu corpitcho junto aos confetes. E, por via das dúvidas, passo longe de toda e qualquer ambulância. Parei até de beber refrigerante.

Ferdinando e eu naquela noite fatídica. Antes da bebedeira, é claro.

6 comentários:

  1. Hilário Ton haahahaha
    Aqui também tem o baile vermelho e branco, mas nunca fui. E não sabia da existência de refrigerantes em ambulâncias. Até certo tempo fiquei esperando você narrar q o refrigerante não era bem refrigerante. Fiquei frustrada ao ver que realmente era hahahaaha


    Curiosa de saber porque teu amigo está escondido. Hahahaha
    Tem mais história por trás disso?

    Beijos

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  2. Noooossa, Ton! Mas o que foi esse surto carnavalesco? hahahaha
    Igual a Fê fiquei esperando o anúncio de que o que bebeu não era refrigerante... fiquei decepcionada em saber que REALMENTE era. hahaha

    ótimo!

    Beijos.

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  3. Oie.
    Preciso concordar com as gurias acima e dizer que também esperava que não fosse refrigerante, mas a história foi ótima. Nada como aprontar e ter o que falar.

    Bjoos

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  4. Morri!!! kkkkkkkkkkkkkkk....

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  5. HAHAHAHHAHAHAHAHHAHHAHAHAHAHAHHA!
    Cara, parar de beber refrigerante não adianta nada, tem que parar é de beber cerveja! HAHAHHAHAHAHHAHHAHAHHAHAHHHAHA
    Se bem que não, se não tu não ficaria bêbado no casamento comigo. :D
    Ton do Céu, nunca imaginaria que você já foi expulso de festa! Que isso!
    Tô coma Fê! Achei que você tava bebendo algum tipo de remédio. :p
    Divertidíssimo, como sempre.
    E Ferdinando, ainda é seu amigo? hahahahha
    Ainda bem que encontrou Jesus - e a Dani te resgatou dessa vda de sargeta. hahahahahha

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