Chorando se foi

Sou de um tempo em que homem não chorava nem se um elefante lhe pisasse no dedo mindinho do pé. Nem com bolada no saco, nem apanhando de vara (sim, batiam nas crianças em meados da década de 90), nem se o cachorrinho preferido amanhecesse morto. Era feio chorar. Eu, no entanto, chorava por todos esses motivos aí e outros tantos. Chorava até por antecipação, caso ficasse sabendo que aconteceria algo que me provocaria lágrimas. Por conta disso, meu pai ficava brabo e me chamava de Mariazinha Derrete. Ser chamado por esse nome me dava muita raiva... e eu chorava por isso.
Mais tarde, já crescido, estanquei a cachoeira e cessei a choradeira. Não caía de meus olhos uma gota sequer, não chorava nem com cisco no globo ocular, fiquei com uma secura de dar medo. Me derreti tanto na infância que o sobrenome da Mariazinha se escafedeu. Fiquei duro, racional, incólume. Abri algumas exceções em público como no falecimento do vô Gentil e no meu casamento, mas fora disso, quando necessário, preferia chorar escondido.
Até que, em algum momento, o fio da faca virou novamente e resolvi assumir minha condição de chorão inveterado. Homem chora sim. Vi meus avôs chorarem, meus amigos, vi homens na televisão chorando copiosamente. E a cereja do bolo: meu pai sofreu um acidente de moto e quase teve seu pé amputado. Quando cheguei na sua frente, aquele pé preto quase que sem solução, ele fez beicinho me olhando e abriu o berreiro. Foi a oportunidade que eu precisava. Olhei no grão dos olhos dele e disse: "quem é a Mariazinha Derrete agora?". Sou contra vingança, mas fiquei aliviado uma barbaridade.
Agora choro até em comercial de margarina. Gosto de me emocionar, as lágrimas lubrificam os olhos e a sensação após o choro é calmante. Depois que a Lara nasceu, então, credo! Não posso ver uma cena de criança na televisão que me acabo em prantos. Ouço uma música e os olhos ficam marejados. Choro por gostar de alguém, choro quando não gostam de mim e quando gostam também.
Há algumas semanas, assisti ao especial Por Toda Minha Vida, programa da Globo em homenagem ao falecido cantor Leandro, que fazia dupla com Leonardo. Na penumbra da sala, à medida em que as pessoas contavam a história dele, se abateu sobre mim um choro incontido que me fazia soluçar, daqueles que quando a gente funga pelo nariz parece que todo o ranho do mundo está dentro das narinas. Chorei copiosamente do início ao fim e lembrei das pessoas saindo do cinema em 1996 após assistirem ao Titanic. Achava tão estranho minhas colegas chorarem pelo Leonardo Di Caprio e vinte anos depois me esvaí no sofá ouvindo, ironicamente, Desculpe Mas Eu Vou Chorar.
E assim tem sido sempre. Decidi escrever esse texto porque estava assistindo a outro programa besta e correu uma lágrima outra vez. Grande coisa ser Mariazinha Derrete. Quero que a Lara cresça vendo seu pai chorar, quero chorar com ela. Toda e qualquer lágrima que transmita uma sensação verdadeira deve ser levada a sério e nunca desprezada. Que bom que os tempos mudaram. E agora me deem licença que está começando outro comercial de margarina. Vou ali buscar um lenço e já volto.

1 comentário:

  1. Hooooooomi, chorei horrores vendo esse episódio, igual como quando passou da primeira vez.
    Chorar é bom, bom demais. Eu sou manteiga derretida e meia. Posso falar nada.

    Chooooore, chore mesmo! Na mesma medida do riso. :)

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