Estou vivendo um deserto de ideias. Espremo, espremo, espremo a cachola e não cai uma gota de assunto plausível e digna de ser publicada. Feito um beduíno errante, percorro a esmo este areal torrente em busca de um oásis, uma ideiazinha que seja, um gole d'água que mate minha sede de escrever.
Lá está ele, posso ver no horizonte. Duas imponentes palmeiras e uma pequena lagoa de água limpa e cristalina, como nos desenhos animados de Hanna Barbera. Reúno minhas últimas forças, esporeio o camelo (o gauchismo não pode ficar ausente nem mesmo no Saara ou no Atacama, amigos) e galopo aos solavancos, que o galope de um camelo deve ser a coisa mais feia de se experimentar na vida de um tropeiro, tentando chegar o quanto antes. Apeio, caio um tombo. Calculei mal a distância do estribo ao chão, me baseei pelos cavalos e o camelo é bem mais alto. Ainda estabanado e sacudindo a areia, jogo água no rosto e olho para o céu em agradecimento. Não era miragem.
***
Passada esta pequena introdução efusiva diante de uma fagulha de inspiração, vamos ao tema de hoje. Minha filha é uma pessoa pequena, tem só 3 anos de idade, mas já proporciona algumas sinucas de bico que me fazem coçar a cabeça e considerar seriamente a hipótese de a Dani ter parido uma anã. Dentre as tiradas que estão contribuindo para o clareamento contínuo e irremediável de minhas madeixas destaca-se a fixação por bebês. Não só os dos outros, como também agora passou a pressionar-nos a lhe dar um irmãozinho. Uma maninha, pra ser mais exato.
Ela jura que não terá ciúmes, ainda que na prática a teoria seja outra. Basta uma criança chegar a menos de dois metros da mãe dela para notarmos uma série de artimanhas e estratagemas para chamar a atenção e, obviamente, tirar do caminho o(a) pequeno(a) adversário(a). Quando a gente utiliza a situação para contestar com o clássico "é assim que você quer uma maninha?", Lara desvia o olhar, age como se não fosse com ela e segue impávida no combate à aproximação de qualquer outro infante. Em contraditório, segue cobrando pela irmãzinha.
Até aí, temos uma situação bastante comum e administrável. Ora, quase toda criança pede irmãozinho, demonstra uma certa afinidade por bebês alheios, sente ciúmes dos amiguinhos e talicoisa. Ocorre que, certo dia, a Lara me aparece esfregando a barriga e afirmando categoricamente que a causa do desconforto era... um bebê. Eis que soa o alarme de incêndio em minha consciência paterna, peraí que tem coisa errada. Com o perdão do linguajar, mas a vontade que senti no ato foi a de dizer "MAS ISSO É UM PEIDO ATRAVESSADO, SAI PRA LÁ, GURIA", só que, vocês sabem, há de se ter o mínimo de tato para lidar com essas surpresas que os pequenos nos trazem. Utilizei daqui e dali de algumas explicações de fácil assimilação, além de assentir para mim mesmo que as gurias amadurecem mais cedo e, bem, os instintos gostam de se manifestar.
Há inclusive uma história da minha adolescência que ilustra com bastante propriedade essa coisa das meninas amadurecerem antes dos meninos (e essa é a hora que a torcida vibra entoando o cântico de ÔÔÔ, O QUE MOMENTO VOLTÔÔÔ!). Data dos idos de 2001, quando eu cursava o segundo ano do Ensino Médio. Com 15 anos de idade, posso dizer que minhas habilidades no ramo do amor eram um tanto restritas e esporádicas. Quem já leu meu livro sabe que essa tese já ficou comprovada em outras três ou quatro passagens aqui contadas.
Um belo dia, estou caminhando na rua acompanhado de alguns colegas rumo ao almoço, quando lá pelas tantas o vento trocou de direção e ouvi a pergunta advinda de uma garota com os olhos arregalados:
— Quem está usando Dimitri? – a pergunta veio num tom como se a vida dela dependesse daquela resposta.
Bastante tímido, falei que o aroma em questão exalava de minha nuca. Sem titubear, veio uma resposta de supetão:
— Eu ADORO Dimitri. – naquele tempo a internet ainda engatinhava, mas posso afirmar sem medo de errar para vocês que a conjugação do verbo se deu em caixa alta.
Fosse num tempo posterior à maturidade, meu poder de percepção afirmaria sem medo de errar que aquele elogio intempestivo fora, de fato, uma cantada disfarçada. No entanto, tudo o que fiz foi assentir com a cabeça que o perfume realmente era bom, voltando imediatamente a pensar em qual sabor de pizza congelada eu escolheria para o almoço, já que rumávamos todos a um posto de gasolina cujo cardápio das refeições era costumeiramente este.
Passaram alguns dias, estou sentado assistindo à aula. De repente, cai um bilhete na minha classe. Pra quem não sabe, esta era a forma como a gente se comunicava na era pré-Whatsapp. A guria que gostava do meu perfume decidira puxar assunto, ignorando totalmente minha vontade de prestar a atenção no que dizia o professor. Como já disse a vocês, eram outros tempos. Mas tá, respondi o bilhete e o devolvi. Dois minutos depois, cai de novo o papel na minha frente. Ela queria "teclar". Lembro até hoje da segunda frase: "vamos ter um téti-a-téti?". Uma caligrafia bem desenhada e retinha utilizando caneta preta, dava pra perceber que havia bastante pressão ao escrever, coisa de gente decidida. Respondi de novo num tom evasivo, sem querer muita intimidade. Nem preciso dizer que em quarenta segundos o maldito do bilhete quicou de novo na minha frente. E daí já me bateu um nervosismo: eu estava, sim, sofrendo assédio. Tentei ser educado, ao passo que também deixei claro: por favor, deixa eu assistir à porra da aula. Curto e grosso, feito cintura de sapo.
Mais um tempo passou e chegaram as interséries, os jogos que representavam enorme porção do interesse que eu tinha em ir à escola. Estávamos todos lá reunidos, os guris para jogar, as gurias para torcer. E a dita cuja lá no meio me coringando de soslaio. Diante da minha inoperância em dar brecha às suas tentativas, ela apelou para outra artimanha numa época onde não havia Tinder, pedindo a um amigo meu que "fizesse os lados", coisa que hoje o aplicativo resolve sozinho ao configurar o match.
Pois bem, veio o fulano conversar a respeito da possibilidade de enlace. Quando chegou na terceira frase, mirei o grão dos olhos dele e disparei um sonoro NÃO. Também em caixa alta. E negrito. Não quero, não quero, sai de mim, me deixa, e fui me esquivando, saindo pra um lado, brabo que nem um marimbondo, parecia que tinham ofendido a minha família. Pobre da criatura, só queria uns beijinhos (há quem diga que suas intenções eram mais atrevidas, mas vá lá) e eu disparei como o diabo foge da cruz. Quanta inexperiência!
É por isso que lhes digo, meus amigos, as gurias amadurecem antes. Como pai de menina, tenho de estar preparado para todo e qualquer tipo de situação embaraçosa, além de torcer com todas as minhas forças para que os garotos que porventura venham a ser o seu alvo sejam tão frouxos e tardios quanto eu fui na juventude. Rezar não custa, e é o que me resta. Por enquanto, respiro aliviado por saber que minha garotinha está inocentemente confundindo suas flatulências com uma gestação.
João Luiz no Opinião
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Pela primeira vez na sua história de mais de 40 anos, o Bar Opinião em
Porto Alegre receberá no seu palco um músico tradicionalista gaúcho para
evento d...
Há um dia
ÔÔÔÔÔÔ O QUE MOMENTO VOLTÔÔÔÔÔ! É assim que canta? ahahahhahahahhaha
ResponderExcluirAi que delícia de dois textos de volta tão pertinho um do outro! <3
Pobre Larinha, achando que no lugar de pum ia "soltar" um bebê. TRÊS ANOS a nossa pequena tem! Sem orrrr!
O whatsapp de antigamente era bem eficaz. Pequei ele ainda na faculdade, aliás. Bons tempos!
Mas não dava pra enviar nudes.
Ton, o que te resta é rezar mesmo, sinto lhe dizer.
Adorei! Conta mais!
A Lara é certamente a melhor mini pessoa do mundo inteiro. Hahahaha. E provavelmente tu estás muito ferrado. 😌
ResponderExcluirEu usava muito o whatsapp de papel. Era tipo minha forma de comunicação mais frequente e de um tudo saiu disso, até namoro. Mas... Hahahaha. Quando a gente não quer, é lasqueira correr dessas criaturas insistentes. Imagino a situação! 😂😂😂
E quanto ao seu retorno por aqui, É PRA GLORIFICAR DE PÉ!