A FESTA NA VÁRZEA DO CEDRO

Pelos meus cálculos, devia fazer uns dez anos que eu não aparecia nessa festa. A última vez que eu fui, ainda brinquei de cavalo-de-pau na frente da procissão.
A festa da Várzea acontece todos os anos, no verão, em honra a São Luiz Gonzaga e Sto. Antônio. Todos os irmãos do meu vô (inclusive ele) já foram os festeiros.
No começo eu não queria muito ir, pois não conhecia ninguém da minha idade e iria ficar sendo bajulado pela ala fóssil da família, que ao me enxergar, perguntaria: "Tu que é o da Leíra?". Sendo positiva a minha resposta, viria o comentário: "Como tá grande!", ou "Eu te vi desse tamanhinho!". Não deu outra. A primeira foi uma velha caindo aos pedaços, a dona Venina. Minha vó e eu fomos obrigados a segurar o riso.
E assim foi o começo da festa. Antes do churrasco, meus avós foram à missa e eu fiquei guardando lugar na mesa, criando pó junto da mesma. Logo chegou minha madrinha, e ali nós ficamos de papo até o almoço.
Meus avós também não iam à festa a muitos anos. O João Maria tava que era um passarinho, de tão faceiro. Dava três passos, cumprimentava dois parentes. Isso, fora os conhecidos.
E eu ali, observando a paisagem e ouvindo o tempo todo o quanto eu tinha crescido. Minha única esperança de melhora era a domingueira com Os Monarcas. Sinceramente, eu nem pensava em dançar. Queria apenas vê-los tocar.
Com toda aquela demora para começar, me abanquei num canto e lá fiquei, novamente observando a paisagem humana. Não demorou muito, passou por mim uma moreninha daquelas de largar a família, os estudos e tudo o mais, de tão querida. Daí fiquei naquela: "E agora? Não conheço ninguém, não sei nem com que papo começar! Deus me ajude!". E o Baita ajudou mesmo. Percebi uma hora que ela saiu do salão e tratei de ir atrás, aproveitando que a domingueira não começava. Quando cruzei com ela, larguei uma mais velha que o rascunho da Bíblia: "Escuta, será que a gente não se conhece? Tu não é de Novo Hamburgo?". Para o meu espanto, funcionou. Ela é de Caxias (óbvio que de Novo Hamburgo não seria), e iniciamos uma boa conversa, que durou uns 15 minutos, até ela voltar para o salão. Tchê, gente do interior é outra hospitalidade. E eu assustado, por estar acostumado com essas guriazinhas nojentinhas da cidade grande, que são um sacrifício até pra informar as horas para o cara.
Depois dela, encontrei um conhecido de Novo Hamburgo, lá do Santa. Daí já fiquei dando coice na massaroca, de tão contente. Em meia-hora, dois conhecidos! Que momento!
Em meio a isso, eis que começou o baile. Sempre fui fã dos Monarcas, e os caras não deixaram por menos. Fizeram o povo gastar a sola naquele salão. Fiquei ali um bom tempo, vendo aquela gente risonha se divertindo e dançando a valer. Tanto foi, que dali a pouco começou aquela coceira nos pés, de vontade de chacoalhar corpo velho. A fruta não cai longe do pé mesmo. Toda a minha família é pé-de-valsa, por que eu seria diferente? E foi então que veio o dilema: dançar com quem? Pra quem não sabe, São Chico não é terra de mulher muito bonita, pelo menos pro meu gosto. Agora, sendo bem persistente, até que se encontra umas queridinhas. A guria de Caxias tinha me dito de cara que não gostava de dançar, o que me fez descartá-la de começo. Fui obrigado a partir para o ProntoLages Mauá.
A primeira guria se fez de louca, mas aceitou. E na mesma hora fez eu me arrepender. Que coisinha sem vontade! Parecia que eu tava dançando com um pedaço de couro velho. Mas foi, por uns 20 minutos. Saí daquele salão suando que era uma cachoeira, mas até que eu não estou tão destreinado, pra dançar o vaneirão eu dou pro gasto.
Depois daquela, eu peguei nojo. Minha bota já apertava e eu perdia as esperanças de dançar novamente. Foi então que enxerguei a queridinha de Caxias. Ah, mas já fiquei todo enlevado e fui me chegando pro lado dela. Papo vai, papo vem, perguntei se ela não ia mesmo querer dançar. Para meu novo espanto, ela aceitou! Só disse pra esperar passar o chamamé, pois ela não sabia dançar chamamé. Quando tocou a vaneira, lá fomos nós, para nova maratona. Ali sim valeu a pena! Dancei uma barbaridade!
Quando paramos, fui tomar um refresco (cerveja só tomei uma, pois só tinha Kaiser!Eca!), e a querida logo veio de novo, me dizendo que uma amiga dela queria dançar comigo. Ala pucha, mas engoli aquele refri em dois tempos e me larguei no salão de novo! Foi então que descobri uma coisa: eu também não sei dançar o chamamé...Fiquei todo enrolado com aquele gira-gira, vai pra cá, vai pra lá! Virgem Maria! A sorte foi que logo eles trocaram pra vaneira de novo, e eu pude me redimir. Detalhe: a guria era a primeira princesa da festa.
Saí do salão com a boca lá nas orelhas e os pés em frangalhos. Para mim já tava mais do que bom, três gurias no primeiro baile depois de 10 anos. Tomei outro refrei e fiquei por ali olhando o pessoal naquele xote figurado, que coisa bonita! Mas, sabe como é, sempre de olho pra ver se aparece outra queridinha. Não deu outra! Avistei uma morena clara do olho azul, também de largar a família, e fui chegando já sem vergonha nenhuma. Ela, da mesma forma, aceitou prontamente, doida de faceira. Até me confidenciou que estava esperando há tempos que alguém tirasse ela pra dançar, pois ela adora. Que momento!
Depois de dançar com ela, larguei pras cobras e fui conversar com o tal conhecido de NH, que estava ficando com uma neta de um irmão do meu vô. Lá na Várzea é tudo assim, todo mundo é meio parente, tanto que eu fui descobrir que até com ele eu tenho uma parentesco. Longe, mas tenho. Ficamos ali, na finaleira do baile, trovando e falando justamente sobre bailes. Anotei o telefone dele e já marcamos um baile pra sábado, aqui em São Chico mesmo. Agora que provei da fruta, não largo mais!
Sei dizer que a festa me deu o ânimo que eu estava precisando. Aqui é minha terrra, aqui é o meu chão, não dá pra negar. Eu sempre disse que longe de São Chico eu sou um peixe fora d'água, o que é a pura verdade. Tanto que até já ando com umas idéias bem boas pro meu futuro. Se tudo der certo, ainda vou gastar muita sola de bota ao som da vaneira.
A festa da Várzea é uma lenda, um mito. Gente faceira, parentada toda reunida e muita música pra arrastar o pé. Eu, que sou tão indeciso, tão confuso, consegui ter pelo menos uma certeza em meio a tudo isso: ano que vem eu estarei lá de novo, pra dançar com a queridinha de Caxias e outras mais!

Aquele abraço a todos!

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