CHAPEUZINHO ENCARNADO

Os netinhos do Seu Dinarte adoravam ouvir suas histórias, principalmente porque ele, ao contrário de seus pais, tinha um jeito bastante característico de contá-las. Foi justamente numa dessas vezes que, sentado na cama do netinho Adroaldo, filho do Adalberto, que surgiu esse conto:
- Vô, conta uma historinha pra eu dormir?
- Conto sim, meu fio. Qual tu quer hoje?
- Ah.qualquer uma.conta aí!
- Tá bão.Então o vô vai contar a do Chapeuzinho Encarnado.
- Não, vô! É Chapeuzinho Vermelho! E essa eu já sei!
- Não.É Chapeuzinho Encarnado, e garanto que essa tu não conhece.
"Lá na Várzea do São João, tinha uma rapariguinha, filha da Otília, que era filha do falecido Moisés Pacheco. Eles morava numa fazenda, ali quem vai pra Jaquirana, do lado das terras do falecido Gaspar Assis. Era um campo danado de bonito, engordadô de gado, que só vendo. Tinha também um capãozinho pra'trás da casa, que terminava numa tapera, onde morava a véia Geralda, vó da rapariguinha. O nome dela era Noeli, mas todo mundo conhecia ela por Chapeuzinho Encarnado, pois ela vivia de chapéu vermeio na cabeça.
Pois aconteceu que carnearo uma vaca brasina, e a Otília pediu pra filha levá o bucho pra vó dela lavá. A véia tinha fama de lavá bucho como só ela, e todo mundo pedia esse favor pra ela. Só que a Otília mandô a guria ir por cima do morro, já que o povo contava que, naquele capãozinho, morava um véio barbudo bem marvado pegadô de criança. Uns até diziam que o véio era lobisome, por isso ele tinha o apelido de Lobo Marvado.
E lá se foi a Chapeuzinho Encarnado, com o bucho numa gamela, pra casa da Dona Geralda. Teimosinha que só ela, arresorveu de entrá capão adentro, pra chegá mais ligero. E lá tava o Lobo Marvado, negaciando a rapariga, feito gato em passarinho. No que ela passou na frente da casa dele, o véio chegô perto dela e perguntô:
- Onde vai, Chapeuzinho Encarnado?
- Na casa da vó Geralda, levá esse bucho pra ela lavá.
- Ah.Mande lembrança pra véia, diga pra ela aparecê pra tomá um mate!
E lá se foi a guria, a passito, bem faceira. Já o Lobo Marvado, doido pra comê um bucho com salada de côve, ficô se lambendo todo, e arresorveu de pegá um ataio e chegá primero na casa da véia, pra ficá com o bucho todinho pra ele. Chegando na casa da Dona Geralda, trancô a vovó no quartinho do quêjo, vestiu uma camisola da véia e deitô-se na cama dela, só esperando a netinha.
Não demorô muito, a cachorrada deu o sinal da minina chegando. Ela entrô na casa e gritô: "Vóóóóóó! Ô, vóóóóóó!" Cuma voz rôca, o safado disse: "Ô, fia, vamo chegando, a vó tá no quarto!" E ali, começaro a proseá:
- Vó, a mãe mandô esse bucho pra sinhora fazê o favor de lavá.
- Ah, sim, minha fia, pode passá pra cá!
- Tá.Mas.Vó, quis unha grande a sinhora tá!
- É pra coçá milhor as tuas costa, minha netinha.
- Bah, vó, mais qui zóio grande a sinhora tá!
- É pra inxerga milhor as visita, minha netinha.
- E esses garrão tão macucado, vó?
- Ah, isso é de anda discarça na terra, minha netinha.
- Nossa, qui fedor! A sinhora sortô um gáis, vó?
- É qui cumi uma salada di repôio no armoço hoje, minha netinha.
- Virge santa! Quis dentão grande a sinhora tá! Trocô a chapa?
- É PRA COMÊ ESSE BUCHO! PASSA PRA CÁ!
E foi aquele entrevero dentro da casa. O Lobo Marvado corria atráis da rapariga, até que a pobre da Chapeuzinho Encarnado jogô o bucho pela janela, e a cachorrada avançô, mordia um dum lado, otro dotro. Vendo aquilo, o véio grudô uma vara e si botô na guaipecada, lutando pelo bucho.
Naquele rebuliço, ia passando um tal de Nereu, que era um caçadô di mulito muito conhecido e iscuitô a gritaria das gralha, siriema, carucaca, saracura e tudo mais. Vendo a coisa escura, ingatiô a garrucha e pregô-lhe fogo nos fundilho do Lobo Marvado, que saiu im disparada mato adentro e sumiu pra sempre daquelas banda. Ficaro o Nereu e a Chapeuzinho Encarnado procurando a Dona Geralda, até que acharo a véia no quarto do quêjo, fedendo a soro, que era coisa séria. Teve que tomá uns trêis banho de bacia pra tira o chêro.
No fim das conta, a véia lavô o bucho e a Otília deu uma sumanta de laço na rapariga, com vara de guanchuma, que dexô ela toda ardida. Cum isso, ela aprendeu a não disobedecê a mãe dela, e ainda ficô sem cumê o bucho, que dissero que tava uma dilícia. E vivero faceros pra sempre." Depois desse dia, o Seu Dinarte tinha que contar sempre a história do Chapeuzinho Encarnado, pois o Adroaldo dizia pra todo mundo que só o avô dele sabia uma história "muito massa, tri lêsga". O velho, que não se perdia na curva, contava na maior das boas vontades. História era com ele mesmo.

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