O FILHO CONTRAMÃO

Um belo dia, a filharada do Seu Dinarte apareceu na fazenda. Dona Dirce, quando viu que estavam todos os 14 juntos, tremeu a passarinha. Isso porque, quando vinham todos juntos, era problema na certa. Apesar de terem seguido seus rumos, a família sempre reunia-se à volta do Dinarte para resolver qualquer pendenga.
O velho ralhou os cachorros e foi dando a bênção a cada um. Noras, genros, netos, ninguém ficava sem o "Deus te abençoe" do Dinarte. Porém, quando chegou na vez do Bento, um dos filhos mais novos, o velho estranhou:
- A sua bênção, paizinho!
- Ah, bão, chega! Paizinho é um saco cheio de batata! E, pra ganhar minha bênção, trata de tirar esse monte de ferro das oreia e do nariz!
- Ai, pai, são meus piercings.
- Quê? Pirci? Xô, miséria, tira isso das oreia, rapaz!
Frente à repulsa do pai, o Bento achou melhor tirar. Os irmãos entreolharam-se e constataram que o pior ainda estava por vir. A filha mais velha, Laura Lúcia, chamou a Dona Dirce num canto e contou a verdade. A velha ficou vermelha, branca e depois disse, enquanto se benzia:
- Vocês vão matar o pai de vocês do coração.
Almoçaram, contaram as novidades, comeram a sobremesa, até que as mulheres foram lavar a louça. Adalberto, o filho mais velho, pediu que os cunhados saíssem da sala. Estava na hora de contar a bomba pro Dinarte. À francesa, o Bento também saiu. Ficaram os outros seis irmãos homens e o pai, pitando um palheiro, no galpão. Adalberto, o mais velho dos rapazes, puxou o assunto:
- Temos uma coisa pra contar pro senhor, pai.
- Pois fale! - e tragou o palheiro, fitando o filho.
- É sobre o Bento.
- Tu vê, né, que coisa estranha aqueles pir.pipi.como é mesmo?
- Piercing.
- Isso! Parece umas tabuleta! - e deu uma baita risada, batendo na perna.
Temerosos, os irmãos olharam-se novamente, e o rapaz prosseguiu:
- Pai, o senhor sabe o que é homossexual?
- Ihhh.Eu vi isso no televisão. É aqueles contramão que se beijo, né?
- Isso. Pois então, pai, o Bento.
- Valha-me, São Crispim! Que conversa é essa? BENTO!
Mal o rapaz apareceu, o Seu Dinarte pegou o relho e disparou na direção do filho.
- Fruta-cor duma figa! Ingrato! Bem que eu estranhei o bigode raspado! - o velho educou os filhos obrigando-os a manter sempre o bigode, o que todos sempre obedeceram.
Foi um parto segurar o velho, antes que barbaridade maior acontecesse. Uns abanavam, outros tentavam explicar. A Dirce chorava e uma das irmãs acalmava o Bento que, como toda bicha, estava aos prantos.
Pra surpresa de todo mundo, o velho emudeceu. Ficou a tarde inteira sentado num banco, olhando pro mato. Nem o palheiro ele acendeu. Quando caiu a noite, a Dirce resolveu chamar o marido, ainda estático no galpão:
- Dinarte.não vai vim dormi?
Ele virou-se devagarinho, passou a mão nos cabelos e disse:
- Dirce.o guri nasceu touro da tua barriga, e agora resolveu a virar vaca! Contramão, Dirce! Mas que barbaridade!
Mesmo inconformado, foi dormir.

Cantou o galo, e a chaleira já fervia no fogão. Tava lá o Dinarte, com cara de quem matutava alguma coisa diferente. De repente, saiu batendo as chinelas no assoalho em direção ao roupeiro velho. A barulheira acordou a Dirce que, esfregando as remelas, observou atentamente o marido. Com o choque que ele havia sofrido no dia anterior, era melhor não contrariar.
Na hora do café, com todos à mesa, faltava só o velho. Apreensivos, todos entreolhavam-se, pois ele sempre era o primeiro a servir o seu café. Foi então que o Dinarte apareceu com um punhado de coisas nas mãos: bombacha, chapéu de aba larga, par de botas, um pote de glostora, um lenço "encarnado" e uma guaiaca:
- Bento, veste essa fatiota!
- Mas, pai.
- Não seja bobo, rapaz! A gente não faz assim! Veste!!
Ninguém sequer piou. O rapaz, delicadamente (UI!), levantou-se e foi atender a ordem dada pelo pai.
- Pra quê esse pote?
- É glostora feita de banha de porco, pra arrumá as melena. E capricha!
Quinze minutos depois, volta o Bento todo trajado. Não se agüentando de curiosidade, a Dirce obrigou-se a perguntar o que todos queriam saber:
- Dinarte, pra o quê essa fatiota no Bento?
O patriarca estufou o peito e proclamou:
- Daqui pra diante, tu só vai andar vestido assim! E se me aparecer de bombacha rosa, te corto os bagos! Vai tratar de engrossar essa voz e deixar o bigode crescer. Comigo é assim: filho meu quer ser veado, vá lá; mas tem que ser veado macho!!! Uns ficaram sem jeito, outros riram. O Dinarte sentou, serviu a xícara e todos tomaram o café-da-manhã normalmente.

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