SEU DINARTE

Seu Dinarte era um dos últimos gaudérios do Rio Grande do Sul. Daqueles que não tirava o bigodão velho amarelo, de tanto palheiro, pois dizia que "o bigode é o documento do homem". Teve até um corajoso que disse pra ele que, se barba fosse respeito, bode não tinha chifre, mas foi só terminar a frase, já teve de sair correndo, enquanto uns oito ou nove seguravam o velho, que já tava com a faquinha de castração pronta pra pôr ponto final na conversa.
Apesar dos oitenta e três janeiros (ele dizia que eram 82, mas a mãe dele sempre contava que ele tinha sido registrado com um ano de idade, fato que o Dinarte velho negava com autoridade), tinha fôlego de moleque. Fazia o serviço do campo como ninguém. Remédio, ele só tomava o da pressão, isso porque a Dra. Cecília tinha dito pra ele que, ou tomava o remédio, ou batia as botas (ninguém tinha mais medo da morte do que o Seu Dinarte). De resto, era só chá. Macela, gervão, malva, ou no chimarrão, ou puro mesmo, quando a dorzinha era mais forte.
Era daqueles homens velhos antigos, que não cortava cabelo e barba no mês de agosto, por achar que dava azar. Banho, sem ser no sábado, só se fosse muito necessário. Nos outros dias, bastava lavar os pés.
Ainda preferia usar o mato para as necessidades fisiológicas. Quando ele dizia "vou dar uma 'vortinha' e já venho", os filhos já sabiam do que se tratava. Inclusive, pra ver o velho brabo, era só insistir na tal vortinha, pedir pra ir junto, ou perguntar o que era. Sem muita paciência, vinha a resposta: "vô cagá, rapaz!"
Ia dormir quando ainda era dia claro e, no primeiro canto do galo, normalmente antes do dia clarear, já estava tomando chimarrão ao pé do fogão à lenha. Aliás, não conheci ninguém que gostasse mais de chimarrão do que o Dinarte. Antes de qualquer refeição, ele tomava "só uns dois", como ele mesmo gostava de dizer.
Casado com a Dona Dirce, tiveram catorze filhos. Ela queria parar nos treze, mas ele alegou que dava azar. Pra completar, ainda pegaram um negrinho pra criar, depois que os filhos cresceram. Registraram como Edevaldo, mas todo mundo chamava de Tostão.
Gostava muito de receber visitas, contar uns causos, mas tinha pavor de sair de casa. A Dirce velha sempre dizia que "o Dinarte parece um tatu véio, vive entocado nesse sertão".
Ele e a esposa eram os remanescentes do Capão do Bugio Gordo, lá onde moravam. Outrora, o lugarejo era uma vila, antigamente tinha até uma igrejinha, mas o pessoal foi embora aos poucos, deixando as taperas, e agora só moravam o Dinarte, a Dirce e o Tostão. Isso tudo é só um pouquinho do Seu Dinarte, gente buena barbaridade. Mais adiante, eu conto uns causos dele, ou ele mesmo conta, lá à sua maneira. O certo é que, gaúcho como o Seu Dinarte, como ele dizia, "é mais raro que geladeira preta".

0 comentários:

Postar um comentário

<< >>