O SAUDOSISTA

Tem dias que eu sinto uma saudade tremenda dos bons tempos de piá. Casimiro de Abreu encarna em mim, solto um suspiro e profiro:

"Ah, que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da velha infância querida
Que os tempos não trazem mais"...

Agora mesmo estava conversando com meu primo e relembrando aqueles domingos de verão na fazenda, o vô fazendo queijo e com o rádio ligado num programa que se chamava Conversa de Galpão. E eu ali, me empanturrando de coalhada, enchendo o saco dele com inúmeras perguntas e aprontando uma série de traquinagens.
Os dias eram maiores, eu não me importava em que dia de dezembro ou janeiro estávamos, afinal, eram férias. Não sentia a mínima falta dos colegas de aula, só pensava em curtir aquele momento sublime de contato com a natureza. Era o ápice.
Nesse sentido é bom sentir saudades, pelo menos eu gosto. Saber que aproveitei minha infância na sua plenitude, lembrar dos tempos em que nada incomodava, quando os sentimentos resumiam-se em brincadeira.
O amor das avós bastava, não sentia falta de receber elogios, de me sentir importante. A vida corria sem sentido, apenas corria, solta por aqueles campos em cima da minha égua Rusilha. Brincava sozinho de fazendinha, montava minhas propriedades e comandava as vaquinhas de plástico, repetindo toda a lida que eu via meu avô fazer na rua. Eu era pleno.
Depois de adultos, vamos admitir, a gente sente o vazio. Descobrimos que precisamos das pessoas, que somos bem imperfeitos, que cometemos erros que machucam. Travamos batalhas diárias em prol da felicidade de quem gostamos, refletimos atos, analisamos se estamos agindo da maneira correta. Isso sem citar a carga de cobrança em cima de estudos e trabalho.
Mesmo assim, eu gostei de crescer. Nem tanto pelos compromissos, admito, não estou nem aí para o que pensam a respeito da minha vida profissional, nem mesmo eu dou muita bola pra ela. Eu me cobro é como pessoa, como próximo. Todo aquele carinho que eu dedicava aos avós nas férias, hoje eu divido com os amigos, com as pessoas que eu amo.
Passava um ano inteiro desejando a fazenda, com saudades enormes de tirar leite das vacas, de passar o verão fazendo queijo e amansando terneiros. Agora é até melhor, vou pra lá todo mês, convivo bem mais com a família. Perdi aquela visão nostálgica, mas ainda viro criança quando chego lá (só não brinco mais de fazendinha).
Passado todo esse tempo, a saudade de um ano inteiro transformou-se. A vontade que eu tinha de aproveitar as férias, hoje é a vontade de abraçar um amigo, de saber como está, de aproveitar a amizade na plenitude. A não preocupação com o passar das férias transformou-se no zelo para com as pessoas queridas, no cultivo de relações sólidas, no ímpeto de ser uma pessoa com ideais corretos e que agrega algo de positivo na vida dos outros.
Eu fui uma criança muito feliz, e não sabia disso. Agora sou um adulto feliz, pois conservo a alma daquele moleque traquinas (o que é a mídia, né, quase escrevi com K), e o melhor de tudo: eu sei que sou feliz. Tenho consciência disso e tento ao máximo espalhar esse sentimento para a vida das pessoas, seja através de um elogio, de um abraço, de um sorriso.
A infância passa e deixa suas marcas. A parte profissional, o estudo? Sim, são importantes, fazem com que sejamos alguém na vida. Agora, a sensibilidade, o saudosismo, os valores e os princípios, isso ninguém rouba, ninguém tira e nada preenche mais do que ter o bem como horizonte. Quero seguir com minhas saudades, pois elas são a maior prova de que, se eu aproveitar o meu presente como aproveitava aquelas férias, um dia vou me orgulhar de ter sido um cara que aproveitou sua juventude até a última gota, o que não fará de mim um velhinho desiludido e ranzinza.

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