DIA DAS MÃOS

Muito bem, hoje este blog é nosso. Ouvimos o Antônio dizer que hoje não está com cabeça para postar e, num ato de extrema coragem e habilidade manual, assumimos o controle enquanto ele se distraiu. Sim, somos nós, as mãos dele.
Duas décadas de escravidão. Vinte e um anos cada uma, o que significa que juntas somos uma jovem senhora de 42 anos. Praticamente uma Vera Fischer. Sem pêlos loiros, por obséquio.
O fato é que chegou a hora do nosso advento. Durante todos esses anos, crescemos freqüentando os lugares mais sórdidos que o mundo pode oferecer. Por que diabos temos de passar toda uma infância debaixo de terra, grudadas em galhos de árvores ou sujas de comida? Isso traumatiza, sabiam? Ou pior, insetos, caramujos, minhocas e toda a sorte de nojeiras concernetes a um pirralho de uma curiosidade ligeiramente travessa. Ora, vá catar coquinhos (sem usar-nos, de preferência).
Estão achando pouco? Pensam que é isso é puramente a obrigação das mãos? Pois então tentem limpar uma bunda a vida inteira, para verem o que é bom pra tosse. Por sorte, temos livre acesso ao sabonete, o paraíso de um banheiro. Não fosse isso, estaríamos em depressão.
E essa mania de tirar ranho do nariz, faça-me o favor, que coisa mais anti-higiênica! Bem que ele se esconde de todo mundo, mas e nós? Que culpa temos, para precisar penetrar nas profundezas das narinas para catar aqueles resíduos gosmentos? Ainda bem que, vez por outra, nos unimos para orar...
Outra coisa: será que alguém poderia avisá-lo que não é nada confortável ficar coçando e ajeitando órgãos genitais? Tudo bem que o Bráulio é um cara simpático e bem-humorado (quando conversamos sobre dinheiro, ele sempre brinca que vive duro), mas precisa repetir esse ato com tanta frequência? Se bem que, vendo por outro lado, é um pouco melhor que trocar absorvente...
Tem mais: maldito gosto por animais que esse sacripanta desenvolveu! E olha que não estamos falando de poodles fofinhos e gatos siameses, mas sim de vacas, cavalos, uma série de cachorros fedorentos e qualquer outro mamífero que encante a criatura. A cada férias, era aquele tormento. Tetas e mais tetas de vacas, e uma fixação por leite que não conseguimos entender. Tem uma égua naquela fazenda que precisa de um banho urgente, da última vez levamos uma semana para voltarmos aos odores naturais.
Até aí tudo bem, não fosse outra fascinação por curar bicheiras, abrir buchos de bichos mortos e as abomináveis guerras de bosta seca, que entranham nas unhas e nos infestam de micróbios. É demais para apenas dez dedos.
Clemência, é só o que pedimos. Isso que nem citamos as fétidas notas de dinheiro, bancos de ônibus, o tempo em que ele trocava as fraldas do irmão com a nossa ajuda (nem é bom lembrar), entre outros acontecimentos realmente lamentáveis e, porque não dizer, confidenciais. Coisas de adolescente, mas humilhantes da mesma forma.
Um pouco de respeito não faz mal ninguém, nem mesmo a duas pobres mãos, que sequer tocaram uma nota limpinha de cem reais, ou mesmo uma mísera tigela de caviar. É uma simples reivindicação. Um desabafo. Ele voltou, façam alguma coisa. Obrigado.

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