RELATO DO FERIADO

Aproveitei, descansei, refleti, passei por apuros, trabalhei, me diverti, paguei micos e agora a garganta está em frangalhos. Fosse eu um cara sucinto e de poucas palavras, esse seria o resumo perfeito da minha folga de 7 de setembro. Porém, como resumir não é lá o meu forte, dividirei com vocês os melhores momentos desses três dias ímpares na minha curta jornada.


Sexta-feira, dia 7: os humanos são bovinos.

O que era pra ser um dia a mais no fim-de-semana prolongado foi uma espécie de calvário, ou, como diria Renato Russo, "pro inferno ele foi pela primeira vez". Saí quinta à noite e cheguei em casa às sete da manhã. Como meu ônibus para a fazenda era às 06:50, tive de adiar a ida para a tarde e tratar de recuperar meu sono.
Ocorre que este atraso aconteceu justamente pela aglomeração de pessoas na saída da casa noturna. Eu, como o Analista de Bagé, penso que quem gosta de aglomeração é mosca em bicheira, mas precisava chegar em casa a tempo e me enfiei no meio daquela gentarada.
Quando se bota o gado no brete, os bichos só não se acotovelam pelo simples fato de vacas não possuírem cotovelos, no entanto é aquele empurra-empurra, umas pisando por cima das outras, ao mesmo tempo em que defecam e urinam. Em suma, um nojo.
É, só que pessoas têm cotovelos. E, depois de horas na balada, fedem. Quando finalmente verifiquei se todas as partes do meu corpo estavam em seus devidos lugares, constatei que havia uma mancha líquida não-identificada na minha calça, a qual rezo até agora para que não seja o xixi de um ébrio desavisado que, esquecendo que estava saindo de uma festa, resolveu tirar água do joelho ali mesmo, e dane-se quem estiver no caminho. Não tive coragem de cheirar, mas pelo menos a calça foi lavada em seguida.
Bom, o próximo ônibus era às 13:20. Fui para a rodoviária e esperei-o calmamente, até deparar-me com um veículo lotado de gente, num calor de 34 graus e uma pornográfica mistura de desodorantes vencidos que beirava o caos. Nariz a postos, embarquei. E pro inferno eu fui pela segunda vez. Se é que dá pra ofender o quintal do Satanás ao compará-lo com as duas horas de viagem mais tenebrosas da minha vida. Quando eu pensava que não cabia mais uma pulga no ônibus, vinha aquela vozinha do cobrador lá do fundo: "um passinho a frente, por favor, pessoal". Suando a cântaros, acotovelava-me bovinamente contra as pessoas e rezava para um banco ficar vago o quanto antes.
E não é que o danado ficou mesmo? O único detalhe é que foi o mesmo que fazer um camelo passar por uma agulha. O espaço do banco era tão ínfimo, que eu podia coçar minha orelha direita com o dedão do pé esquerdo. Ainda que não estivéssemos falando de Joseph Climber, eu também persisti firme em minha viagem, pelo menos enquanto os odores permitiram que eu estivesse consciente.
Mas, a vida é uma caixinha de surpresas. Chegando em Taquara, o próximo ônibus para São Chico saía às 15:30. Sabem que horas eu desembarquei do ônibus? 15:35. Já pararam de rir? Pois bem, continuemos. Sabem que horas saía o próximo ônibus? 18:30.
Olhei para a moça do guichê com uma cara de "tomara que seus rins virem farinha de mandioca", respirei fundo e decidi aproveitar as três longas horas que teria pela frente conhecendo a bucólica e cozinhante Taquara city.
Seguindo meu faro canino, logo encontrei a agência da Caixa Federal, o que me possibilitou retirar uns trocados para aproveitar melhor o passeio. Tomei um sorvete que derretia dois litros por segundo e, só após terminá-lo, reparei que minha calça tinha aproveitado melhor aquela delícia do que eu. Agora eu estava com as mãos todas lambuzadas, a calça era um convite a formigas e caminhando por uma cidade totalmente desconhecida.
De repente, a glória. Em meio a algumas folhagens, pensei que fosse miragem, mas, não, era uma torneira mesmo. Escondida, pequenina, ali estava ela, pronta para, pelo menos, abrandar aquela imundície na qual eu me encontrava.
Olha, deve ter sido uma cena um tanto tragicômica. As pessoas passeando com seus filhos e cachorros, e um cidadão ajoelhado numa calçada lavando as mãos, o rosto e tentando limpar a calça com um lenço de papel. Decidi não encarar os fatos por esse ângulo, afinal, ângulo era algo que, abaixado, com a traseira pra cima, no meio da rua, não me favorecia de maneira alguma.
Passado aquele ato que quero esquecer pro resto dos meus dias, continuei a vagar pelas ruas, afinal de contas, ainda tinha duas horas e quarenta e cinco minutos pela frente. De tanto procurar, encontrei uma lan house aberta e, conseqüentemente, a remissão dos pecados. Passei o resto do tempo na internet, com um ar-condicionado obscenamente gelado às minhas costas que, aliado ao sorvete, tratou de esbudegar minha garganta justamente na semana em que terei de cantar durante três dias seguidos. Bom, isso são detalhes, né?
Finalmente embarquei no segundo ônibus, onde ao meu lado sentou-se um cidadão que, se eu não olhasse direito, diria que era um alambique ambulante, tamanho o cheiro de cachaça que aquela criatura dos infernos exalava. Recolhi-me de encontro à parede do ônibus (que, graças a Deus, não estava lotado) o máximo que pude e, ingenuamente, adormeci. Isso até o primeiro buraco, que jogou minha cabeça contra o vidro e causou um estouro que fez metade dos passageiros olharem para mim que, com um sorriso amarelo, procurava, tal qual um avestruz acanhado, um buraco para enfiar a cabeça, sem sucesso.
Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Pode até ser, mas uma cabeça bate duas vezes no mesmo vidro, até porque eu não tinha recuperado o sono da noite anterior e fui traído por mais um maldito buraco, acompanhado de nova virada de cabeças, dessa vez do ônibus inteiro, pois o estrondo fora ainda mais forte.
Cabeça doendo, calça lambuzada, com frio (nunca pensei que fosse chegar à noite em São Chico, o que não me fez pegar uma blusa), com sono, fome e o humor do Paulo Francis na TPM. Esse era o meu estado quando encontrei meu avô que, sorridente, me esperava na estrada.
Ah, esqueci da tia do táxi. Quando desci do ônibus em São Francisco, peguei um táxi e, pela primeira vez na história, a motorista era mulher. Achei o máximo aquilo, principalmente porque o lugar pra onde eu ia era longe e escuro, a uns 12km da cidade, e a cara de pânico da mulher aumentava a cada metro rodado. Eu também sentiria o mesmo se estivesse ao lado de um cara com a barba por fazer, a calça toda lambuzada de sorvete e uma expressão de causar inveja ao Incrível Hulk.
Mas, importa que cheguei. E ainda nem contei o resto do fim-de-semana. Querem saber? Fica pra amanhã.

Um abraço!

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