Espantando os males

Antes de fazer parte do coral da SMED, meu conceito de música era o mais simplório possível. Apesar de gostar de cantar informalmente (leia-se chuveiro) e ouvir vários estilos diariamente, não aprofundava as reflexões sobre essa questão. O máximo de emoção que sentia era o de escutar as músicas tradicionalistas do Rio Grande e curtir as letras, vozes e melodias, mas de maneira bastante limitada.
A partir de março, essa visão ampla e esparsa começou a mudar bruscamente. Quando me dei conta, estava inserido num contexto de pessoas cujas vidas estão intimamente ligadas à música. Gente que canta com o coração, canta pra brincar, se divertir e que dá vida ao que faz com muito gosto. Percebi que cada letra tem uma frase que marca e o poder que um acorde tem de arrepiar quem o escuta.
Além disso, variei e enriqueci meu gosto musical, saindo do conservadorismo nativista e abrindo a mente para novos ritmos e estilos. Ainda me sinto meio perdido em meio a tanta riqueza cultural, mas tento compensar essa lacuna com meu tradicional “enrolex”, que até que funciona consideravelmente.
Levei três parágrafos para finalmente chegar onde queria (entenderam o significado de “enrolex”?). Juntamente com meus colegas coralistas, assistimos e também participamos ontem da 2ª Mostra de Artes da Escola de Música Raios de Sol, aqui de Novo Hamburgo. Se fosse preciso resumir numa palavra, eu diria: sublime. Contudo, como quem está escrevendo aqui é o Antônio, a palavra do parêntese acima impede que o relato seja diminuto.
Foi um espetáculo emocionante. Pensem nas manifestações musicais mais interessantes as quais vocês já assistiram; pois, muito bem, foi exatamente assim que eu me senti ontem. A cada apresentação, sentia o coração pulsar mais forte, tamanha a paixão de tocar que os músicos transmitiam. De piano a sax, de acordeom a violão, de bateria a baixo, tudo foi perfeito. Até a microfonia, que raramente ocorreu, entrou no tempo certo.
À medida que nossas mandíbulas despencavam teatro abaixo, o público vibrava constantemente com a informalidade da condução do evento, que nos fez sentir realmente em casa e em família.
Eis que, a certa hora, chegou a nossa vez de cantar. Há tempos que o coral não reunia tantos participantes numa mesma apresentação, o que causou um bárbaro frenesi em quase todos. Confesso que, quando sei bem as músicas, não fico nervoso. Nessas horas, minha calma surpreende até mesmo a mim, já que sou um dos mais novos entre o pessoal. Trajando aquele terno preto que me deixa simplesmente arrasador, desloquei-me para o palco, mentalizei minha tradicional oração para que tudo saia nos conformes e abriram-se as cortinas.
A primeira grande emoção foi cantar oficialmente com meu amigo Jader pela primeira vez. Novamente, pensem em alguém que vocês admiram muito, e mentalizem-se ao lado dessa pessoa apresentando justamente o que ela sabe fazer de melhor. Pois bem, ali estava eu, diante de um teatro lotado e com a segurança de escutar, uníssona com a minha, uma das vozes mais belas que já ouvi.
A primeira música ficou uma maravilha. E, na segunda, meus caros... que momento! Passada a introdução, o teatro veio abaixo com aplausos e, pela primeira vez em sete meses de coral, senti uma emoção tão forte, que baixou o finado Pavarotti neste que vos escreve, dando um ímpeto de cantar que fez minha voz expurgar todo e qualquer mal que ocupasse meu ser naquele instante.
Terminada a apresentação, eu estava em alfa. Transpirava a cântaros e tremia tal qual um bambu (sem os trocadilhos do Sílvio Santos, por obséquio), tamanha a sensação de bem-estar da qual fui acometido. Nem lembro direito dos cumprimentos que recebi, mas recordo perfeitamente o abraço que dei no Jader. E aqui deixo um espaço para uma palavra que não existe para descrever a sensação daquele instante. Uma expressão conhecida, quem sabe. Duas palavras: que momento!
E assim seguiu durante toda a noite. O êxtase da apresentação estendeu-se até o final e representou a purificação das almas ali presentes, afortunadas por presenciarem aquele momento magistral.
Nessas horas, percebo a diferença entre simplesmente fazer e vivenciar algo com o coração. Restringindo-se à música, é notável a diferença que pôr a alma na melodia representa. A harmonia entre instrumentos, dedos, emoção e entrega resulta numa alegria completa, plena e realmente fora de série. Meus sinceros parabéns a todos os que fizeram parte de uma noite tão marcante.

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