Esquadrilha da fumaça

Estou na parada de ônibus, esperando a condução matinal para deslocar-me ao trabalho, por volta das sete e meia da manhã, quando uma senhora, de cabelos pornograficamente amarelos e crespos, mete a mão, cheia de unhas pintadas com um esmalte vermelho, totalmente apropriado para seus setenta e tantos anos, que, presumo eu, deva ter, na bolsa e tira de lá o objeto que representa a escória da humanidade: um cigarro.
O panorama me lembra a sucursal do capeta: aquela ovelha gigante fumegando tal e qual uma Maria-fumaça, passa pela minha frente e simplesmente solta aquela baforada fétida bem no meu nariz. No primeiro dia, usei as mãos para abanar aquela nuvem de câncer no pulmão. No segundo, saí correndo para um lugar menos poluído. Se houver um terceiro, vão sobrar bofetadas naquela sósia da Dercy Gonçalves com coqueluche.
Modo de dizer, naturalmente. É claro que não vou chegar às vias de fato com uma possível amiga da Hebe Camargo. Agora, que é uma falta de respeito medonha, isso é. Quer se matar, vá lá, já está no fim da vida mesmo. No entanto, daí a querer me levar junto, é muita falta de preservação à vida de um jovem que só busca a felicidade longe do tabaco.
Pensei em mastigar dois dentes de alho e uma cebola, em lugar do meu leite com Nescau de todas as manhãs. Quando a anciã apontar na esquina, inspiro o máximo que puder e, assim que ela vier sugando a nicotina nossa de cada dia, soltar uma obscena baforada nas fuças dela, que fará ela feder a pizza de alho e óleo até setembro de 2009.
Também pensei em comprar uma máscara do Darth Vader, ou pedir uma emprestada a um amigo que eu sei que comprou, e usá-la no exato momento em que a vovó cachopinha passar, mas não sei se ela seria capaz de entender a mensagem. Com um cabelo tenebroso daqueles, é bem capaz da velha se apaixonar por mim, e daí eu estou ferrado.
Resta-me apenas uma alternativa: macumba. Amanhã eu pergunto o nome dela, costuro o nome da maldita dentro da boca de um sapo e enterro nos fundos do pátio lá de casa. Alguém há de morrer, nem que seja o próprio sapo.
O fato é que eu tenho verdadeiro asco a cigarro, e essa vida de fumante passivo está dilacerando meus pulmões. Outro dia, me entra uma cidadã cafuza, mameluca, ou sei lá o quê no ônibus, fedendo à fumaça de tal maneira, que abri todas as janelas possíveis ao meu redor em tempo recorde. Ela me olhou e percebeu, ao que respondi com um sorrisinho, que dizia: “seus pulmões são dois sacos de carvão”.
Meus pais fumam, minha irmã fuma e uma das minhas avós fuma. Os outros avós também fumavam, mas já deixaram do vício. Aliás, “vício” é um nome bonito para suicídio lento, gradual e coletivo, a partir do momento em que o cigarro não faz outra coisa, senão acabar com a vida de quem vê graça em engolir fumaça (e deixa rimar). Tá certo que o álcool faz mal para o fígado, mas pelo menos mata a sede. Eu bebo cerveja com certa regularidade, mas, se passar duas semanas sem brindar ao líquido sagrado dos bares, botecos e afins, certamente não ganharei tremedeiras.
Lastimo sinceramente que minha família fume. Sim, porque, se uns fumam na frente dos outros, os forçam a fumar involuntariamente. Esse ato impensado de acender uma arma química de destruição em massa está, infelizmente, encurtando a duração da linhagem do meu sangue. Já falei, pedi, esperneei, aconselhei, palestrei, e nada. Litros e mais litros de saliva, um rio São Francisco de mucosa jogado fora.
Queria olhar no grão dos olhos do dono da Souza Cruz, e falar: “você não tem coração” (e nem pulmões, provavelmente). É inconcebível que um ser humano seja feliz ganhando dinheiro com algo que mata as pessoas.
Se não fosse afetar os não-fumantes que são meus amigos, eu parava de tomar banho por uns três meses. Fedor por fedor, ninguém poderia reclamar. Duvido que meus amigos e familiares fumantes gostariam de me abraçar fedendo a gambá em decomposição. Eu, em contrapartida, não nego um abraço, ainda que seus perfumes de chaminé contaminem minhas entranhas nasais.
Bom, já que não há o que fazer, me resta queixar aos quatro ventos minha insatisfação com essa situação catastrófica e apocalíptica. Os fumantes dominarão o mundo e vão nos matar lentamente. Deus, olhai por nós, porque respirar tá difícil...

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