Eram apenas mexicanos

Houve um determinado tempo da minha vida em que quis ser professor. Antes de rumar para o sonho da medicina veterinária, cursei alguns semestres da faculdade de Letras, muito em decorrência da minha inclinação para a escrita e o gosto pela produção textual. Durou até o exato ponto em que concluí que meu interesse pela docência não acompanhava o amor pela língua materna e, como tantas vezes fiz em minha jornada por este mundo velho de Deus, acabei desistindo do curso.
Ainda assim, foram muitas as vezes em que imaginei como seria a minha atuação como catedrático. Durante a minha vida escolar tive ótimos professores e me identificava com a didática daqueles que tornavam as aulas mais leves, descontraídas e despertavam na turma a vontade de aprender sem que parecesse que os cérebros de todos estivessem virando fubá.
Histórias de professores qualquer vivente tem para contar. Sempre há algum com hábitos curiosos, estranhos e hilários. Mesmo na faculdade isso permanece, e diria até que de maneira exponencial. No áureos tempos do primeiro grau, tive um professor de Física que parecia o Christofer Lloyd. Todos dizíamos que ele era igual ao célebre ator do filme De Volta para o Futuro. Outro, de Ciências, tirava tatu do nariz e jogava no lixo como quem arremessa uma bola de basquete na cesta; dava aulas de pés descalços; parava a aula e atirava balas para cada um em sua classe. Aquele cara era um mito.
Também tive uma pobre professora que tinha um bafo terrível. Coitada, ainda bem que não cito nomes! Lembro que me obriguei a aprender a matéria sozinho, de modo a não precisar chamá-la para dar explicações na minha classe, tudo com medo de morrer sufocado por aquele cheiro de esgoto que saía da boca da criatura. Ei, você, professor que porventura visite meu blog: pela manhã, antes de sair de casa, faça conchinha com a mão e bafore nela, de modo a checar seu hálito. As turmas podem estar comentando a respeito, mas ninguém nunca tem coragem de dar o alerta salvador. Fica a dica.
Aprendi a amar Matemática com um grande mestre que fazia imitações em meio à aula e tornava os cálculos bastante divertidos. Posteriormente, recuperei o ódio pelos números, pois a professora seguinte era prima terceira de Tutancâmon.
Isso tudo nos tempos de escola, primeiro e segundo graus, já que na faculdades as coisas mudam de figura. O relacionamento com os professores fica mais próximo uma vez que não somos mais crianças, ainda que muitos colegas insistam em continuar agindo como tal. Na universidade, tenho o costume de imitar os professores mais engraçados e, com isso, divertir os colegas nos horários de intervalo. Fora isso, o foco fica mesmo por conta de absorver o máximo de conhecimento, já que agora a mensalidade é cara pra chuchu e não sai mais do bolso da mãe, o que torna tudo bem mais delicado no aspecto financeiro e, consequentemente, me obriga a valorizar cada minuto em sala de aula.
Como aluno posso dizer que, quando criança, fui polêmico. Chamava a atenção pela língua afiada em algumas respostas prontas e por, mesmo conversando um bocado, sempre conseguir boas notas. Sem colar, que fique bem claro. Isso só fui aprender agora na faculdade e... ops. Deixa pra lá.
Uma das minhas brincadeiras prediletas era, ao não saber uma resposta da prova, escrever qualquer besteira que fizesse o professor rir. Havia uma mestra de Estudos Sociais (você, jovenzinho nascido na década de 90 que não sabe o que é isso, procure no Google) que adorava minhas respostas criativas e inclusive as lia para a turma no dia que entregava as provas.
Porém, nem todos os catedráticos possuíam este aguçado espírito esportivo e, lá pelas tantas, acabei dando com os burros n'água em Biologia. É claro que isso se deve ao fato de, ao invés de ter avacalhado com uma ou duas respostas, fiz isso com a prova inteira uma vez que não havia estudado nada para a avaliação. Tinha uma questão que trazia uns desenhos de células fazendo mitose e pedia para identificar as estruturas assinaladas. Como eu disse, não havia estudado para a avaliação e, por consequência, não sabia bulhufas. Vendo o desenho, achei tudo muito parecido com chapéus de mexicanos e tasquei lá:
- mexicanos namorando;
- mexicanos fritando ovos;
- mexicanos andando de bicicleta;
- mexicanos fumando charuto;
A figura abaixo recorda mais ou menos a questão da prova. Vejam se não tenho razão.


Aqueles bem lá embaixo, parecem ou não mexicanos? Visto de cima, é claro, mas parecem! Bueno, o fato é que a professora não gostou nada das minhas respostas e ficou tiririca da vida comigo. Ao corrigir minha prova durante a avaliação de outra turma, começou a resmungar indignada e, entre os alunos, estava lá a minha querida Dani, que não perdeu tempo e perguntou o que estava causando tamanha irritação na mestra. Foi aí que minha atitude foi dedurada a todos e meu nome acabou jogado no vento, o que gerou chacotas nos corredores durante o intervalo com a minha pessoa. Todos já estavam sabendo das minhas respostas e considerei um disparate da professora fazer aquilo comigo.
É claro que o errado da parada era eu, quem mandou avacalhar na prova? Contudo, eu nem quis saber do pastel e armei um fuzuê medonho na aula seguinte de Biologia. Bati boca com a professora, descemos do tamanco e, admito, me passei nas palavras ásperas. Ofendi-a. Lastimo por ter cometido aquele ato insano, mas era o que tínhamos para o momento. Abismada com minha petulância, ela saiu pela porta chorando e aí, meus amigos, a porquinha torceu o rabo.
Levei o maior xixi da história da vice-diretora, minhas orelhas ardem só de lembrar daquele sermão danado. Porém, como naquela época minha cegueira adolescente não permitia enxergar os fatos como eles são de verdade, resolvi fazer uma greve de silêncio para o resto do ano nas aulas de Biologia. Bastava a professora entrar na sala de aula, que eu baixava a cabeça e dormia até ouvir o sinal para ir embora. Assim foi por longos meses, até que naturalmente tomei a ré no fim do ano e peguei recuperação. Restou-me devorar os livros em três dias, entender que células não são mexicanos fritando ovos, e sim multiplicando-se através de mitose, tratei de responder tudo direitinho no exame final e fui aprovado por um triz.
Para encurtar o relato, alguns anos depois graças a Deus tive a humildade de ir ao encontro da professora e pedir desculpas por aqueles meus atos infames. Ela, com a generosidade que só os mestres possuem, concedeu-me o perdão de pronto e selamos a paz com um fraterno abraço. Aliás, dali para a frente ficamos tão amigos, que a cada vez que nos encontrávamos na rua a conversa rolava solta como se velhos parceiros fôssemos. Dia desses, quando lancei o livro, voltei ao colégio para divulgar o lançamento e ela veio correndo me abraçar toda orgulhosa, principalmente quando mencionei que estava estudando veterinária.
Tais experiências da adolescência, mais do que a própria mitose, ensinaram-me a importância do professor na caminhada de qualquer sujeito. Tenho a absoluta certeza de que, se não fosse pelos ensinamentos que recebi desde o jardim de infância, certamente eu hoje não seria o homem que sou. Portanto, nada mais justo que homenagear todos os que se dedicam a transmitir o conhecimento e educar pessoas para a vida. Ainda que tarde, um dia a gente sempre aprende. Parabéns aos eternos mestres, com ou sem bafo.

3 comentários:

  1. Antônio, precisei rir desses mexicanos fritando ovo disfarçados de mitose, hahaha! Adoro ler casos sobre professores, porque sou apaixonada por essas pessoas. Sou neta de professoras e tanto meu pai como minha mãe já deram aula em algum momento da vida. Eu mesma não descarto essa opção e já tive breves experiências em sala que foram muito bacanas. Tenho poucos casos engraçados porque sempre fiz o tipo certinha, cdf, que senta na primeira cadeira, anota tudo, etc. Eu sempre tive o maior problema com números, principalmente porque minha memória é péssima e eu não consigo decorar fórmulas, então você imagine o que era minha vida nas aulas de física e geometria. Eu tinha esse bloqueio mental com geometria e lembro que uma vez, na prova, eu obviamente tinha esquecido a fórmula, então escrevi um texto no lugar da resposta explicando como o problema tinha que ser resolvido, só faltava adicionar a fórmula pra chegar no resultado. O professor me chamou na mesa, perguntou o que era aquilo e eu expliquei minha situação. Ele riu, me deu meio ponto por dó e eu fiquei bem satisfeita, hahahaha.

    Sucesso com teu livro e obrigada pelas coisas que você escreveu nos meus comentários. :)
    beijo!

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  2. Que texto emocionante Antônio. Em alguns pontos até bem humorado. Vou soube perfeitamente dosar essa crônica com emoção e humor. E tornou o texto uma bela homenagem aos educadores. Este texto me fez voltar no tempo, a lembrar meus momentos na escola. A gente fazia muitas brincadeiras, dávamos apelidos bizarros para os professores ou relacionava-os a personalidades. Assim como tu citaste aí. A escola traz riquezas que perduram pra sempre. Hoje a gente nota o quão cada educador foi importante para a nossa formação. É legal passar o tempo e você reconhecer, perceber o alcance dessa importância. Enfim.
    Texto emocionante meu caro. Gostei muito de ler.

    Abraço!

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  3. Gostei muito de ler o teu novo post! :')

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