De uns tempos pra cá, parei de ser simpático com todo mundo. Achei que estava demagogo demais, político demais, quase piegas. Chegava numa rodinha de conhecidos e apertava a mão de um por um, só faltava entregar o santinho escrito "vote nimim". A mudança, naturalmente, passou a causar estranheza nos menos chegados e, por consequência, passou a trazer alguns desafetos. Algumas pessoas não gostam quando a gente decide ser a gente mesmo a despeito de qualquer julgamento.
Dentre estes indivíduos que torcem o nariz para a minha pessoa está um sujeito muito peculiar. Eu o chamo de "presidente do fã-clube dos que me odeiam". Ele simplesmente não vai com a minha cara e faz questão de deixar isso bem claro aos quatro ventos. A mim, no entanto, ele nunca disse nada, talvez pelo receio de que meus argumentos sejam polpudos o suficiente para convencê-lo do contrário, e sou bem capaz disso.
Mas, vá lá, deixo o rapaz me odiar sem problemas, não gosto de unanimidades. Por outro lado, gosto de atitudes nobres e desconcertantes. Como a que tive ontem, por exemplo. Cheguei atrasado na aula de Medicina de Cães e Gatos, fiquei vendo os passarinhos cantarem na rua e perdi a hora. Não há nada mais hipnótico que o trinar de uma sabiá prenunciando a primavera. Entrei na sala e o único lugar vago perto de meus amigos era justamente à frente do dito cujo. Como não tenho muita cerimônia com quizilas, joguei minhas tralhas na classe e acomodei-me por ali mesmo.
Lá pelas tantas, passei a ouvir um burburinho atrás de mim. Estavam atrás de um rabo quente. E aqui, antes que a coisa descambe para a malícia, permitam-me explicar a expressão em itálico. Ocorre que, no curso de Veterinária, bebemos muito chimarrão durante as aulas. "Tomamos mate", é assim que se diz em bom gauchês. Como não há água quente disponível a todo momento e a sede do pessoal é grande, existe um objeto inventado por uma alma bastante nobre - alma esta que merece alguns beijos de agradecimento pela serventia do invento - cuja função é justamente aquecer a água diretamente nas garrafas térmicas. Numa ponta, há uma resistência parecida com aquelas de chuveiro elétrico; na outra, uma tomada. É tipo um acelerador de partículas, um aquecedor de moléculas, sei lá eu o nome científico que se dá pra isso. Como provavelmente pouca gente sabe, preferimos chamar de rabo quente. É bem mais coloquial. Só que, claro, sempre rola aquele trocadilho quando se pergunta a uma pessoa se ela tem na mateira um rabo quente sobrando.
Pois bem, carrego o meu rabo quente sempre comigo. Que chata essa frase. Estava ali, na minha mateira, e o presidente do fã-clube dos que me odeiam precisava de um. Foi a oportunidade que eu precisava. Sem dizer uma palavra, abri a mateira, tirei o acelerador de partículas de dentro e alcancei a ele com um sorrisinho sardônico (eu jamais seria louco de escrever aqui que lhe dei o meu rabo quente, desistam). Ao contemplar o meu gesto, ele não escondeu o misto de surpresa e pavor que lhe acometeu. Ficou até sem saber o que dizer. Levantou, buscou água, aqueceu-a, preparou o mate e devolveu-me. "Obrigado", disse meio sem jeito. "Sempre às ordens", assenti com parcimônia.
Que coisa mais linda é o perdão, que revigorante é pregar a paz. Não sei se o demovi da ideia de odiar a minha pessoa, mas pelo menos minha cortesia serviu como um aceno de "as pessoas boas devem amar seus inimigos". Não preciso que me amem, mas não quero um fã-clube dos que me odeiem. Espero ter assinado o impeachment do presidente, aproveitando que estes são tempos bem propícios. Agora vou providenciar a mudança do nome deste... fiozinho aquecedor de água para o mate com resistência numa ponta e tomada na outra.
PS: Graças à colaboração do amigo Eduardo Soldera, descobri que o nome verdadeiro do rabo quente é EBULIDOR. Bem mais aprazível, vamos combinar.
Morre Albino Manique
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Com profundo pesar noticiamos o falecimento de Albino Manique, lenda da
música gaúcha e do acordeom, hoje, aos 80 anos.
Conhecido e reconhecido por me...
Há 21 horas
Há sempre oportunidades de rever e oferecer o melhor, mesmo pra quem não nos é querido, nem nos tem em grande estima. E é uma danada de uma leveza poder ser verdadeiro consigo.
ResponderExcluirQue coisa boa voltar a ler suas histórias. 😊
Sempre te disse que o mundo ganhava com tuas história, bom saber, mas, não vai ter golpe! Hahahhahahahahhahahahhahahahahhahaha
ResponderExcluirTchê, ta de parabéns! Me identifiquei com alguns fatos e te digo mais, tem pessoas que tem adoração em não gostar, parece que o fato de existir "o outro" já os incomoda.
ResponderExcluirValeu muito a leitura e fico no aguardo da próxima.
Não tenho os "tal" perfil mas deixo assinado.
Um abraço,
Diogo Urnau.
Aí senhor, como eu queria ser, um ser evoluído, eu estaria com o meu "aquecedor" (também não vou falar rabo quente) guardado e pensando: Toma trouxa eu tenho e não vou te emprestar 😂😂😂 (preciso aprender a não ser rancorosa) e veiii deixa eu te contar um trem, é Bão demais poder dar voz a esse texto, eu li ele todinho imaginando o seu sotaque e você contando a história, parecia que você tava falando pra mim HAHAHAHAHA
ResponderExcluirAh gente!!! Eu AMO esse blogue, que falta fazia. Obrigada por voltar e com um rabo quente na bagagem, digo, mateira. Tomara que com isso, ele descubra o quão incrível você é, mesmo sem precisar apertar a mão de todo mundo quando chega. Afinal, quem perde em não aproveitr sua companhia, é o resto do mundo. 😎😎
ResponderExcluirAntônio! Que coincidência, ainda essa semana estava lendo uns comentários antigos e vi um seu. Fiquei extremamente feliz com a sua volta. Saudade demais de você e das suas histórias. A propósito, ri demais com essa. Beijo grande e espero que não nos abandone mais. =D
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