Como a palma da minha mão

No segundo grau, eu gostava de uma menina da minha sala. Isso obviamente faz tempo, basta ver que eu ainda falo "segundo grau" ao invés do nosso atual "ensino médio". Aliás, naquele ano me apaixonei inúmeras vezes por pessoas diferentes, o que acabou depondo contra mim quando fui me declarar para essa mocinha. "Tu já gostou da fulana, da beltrana, da ciclana etc, e ainda estamos em agosto. Como quer que eu acredite nesse sentimento?". Vejam só, as mulheres aos 15 anos já têm um arsenal de argumentos destruidores, enquanto que nós rapazes mal saímos das fraldas nessa idade.

Fora isso, cometi outro erro grotesco, uma vez que, como vocês podem perceber, era justamente pra ela que eu confidenciava todas as minhas paixonites efêmeras, o que facilitou um bocado para que me fosse jogado tudo na cara. Não é tarefa das mais fáceis apaixonar-se por um ombro amigo.

Mas, bueno, aconteceu. E, olha, lhes digo que era bem verdadeiro. De tanto falar dos meus sentimentos e tê-los todos acolhidos com tamanho carinho, acabou que enxerguei várias virtudes em sua pessoa. Té porque, e é até meio desconfortável o que vou dizer a seguir, mas encarem como meramente ilustrativo: ela estava um pouco longe de ser a menina mais bonita da turma. Acredito ser a esta a forma mais competente de maquiar o que eu realmente gostaria de dizer. Os tempos são outros. Mas o fato é que não foi propriamente sua beleza física que me encantou.

Recordo dois episódios curiosos deste tempo durante o qual nutri este sentimento tão nobre. Enviei flores pelo seu aniversário. Não me perguntem de onde tirei dinheiro, já que não tinha um pinto pra dar água naquela época. E olha que custou caro! Mensurem o sacrifício! Numa época anterior ao advento da internet, passei um bom trabalho pesquisando floricultura na lista telefônica, ligando, descobrindo seu endereço e, enfim, enviando o regalo. Acredito que foi o mais próximo que cheguei de conquistá-la, pois nunca vou esquecer daquele sorriso agradecendo o mimo quando nos encontramos novamente no colégio.

Noutra ocasião, aquelas típicas conversas adolescentes, falávamos sobre partes do corpo. Aquilo de classificar o fulano com nariz mais bonito, o cabelo de um é o mais atraente, as pernas do outro e assim vai. Lá pelas tantas, outro erro cometido (aliás, como errei na adolescência, sacramento!). Perguntei a ela qual era a parte do corpo pela qual eu me destacava no grupo. De cenho franzido, a garota coçou o queixo e pensou um pouco... convenhamos que isto já não se tratava de um bom sinal. E lascou:

- As mãos. Tuas mãos são lindas, é sério.

Pensem na minha felicidade em receber um elogio espinhoso como esse. Ora, as mãos! Grande coisa minhas mãos! Danem-se as minhas mãos! E eu lá queria saber de mão bonita! Rapaz, aquilo foi uma afronta, uma decepção e a gota d'água, tudo ao mesmo tempo. Com toda a maturidade que me era peculiar, passamos a brigar feito gato e cachorro, arrumei uma intriga e passei um bocado de anos sem lhe dirigir uma só palavra. Apaixonado eu sou ótimo, mas quando quero ignorar alguém sou ainda melhor. E doía, dava pra ver que doía a minha indiferença. Tem gente que torce o nariz pra mim até hoje por conta dessa minha postura execrável e que na época era bastante recorrente.

Felizmente, o tempo passou, pelo menos com essa colega as coisas voltaram ao normal e hoje somos bons amigos. Nos vemos pouco, mas torço muito pela felicidade dela, hoje em dia tudo é muito fácil, a pessoa transmite a vida ali no Instagram e é uma barbada de acompanhar. Não é nem uma crítica, até porque faço a mesma coisa. Gosto dessas ferramentas.

Todo esse meu chalalá foi para construir a reflexão em cima daquela parte de ter as mãos elogiadas. Fosse hoje, provavelmente agradeceria com muita satisfação por essa menção carinhosa a meu respeito. No mesmo Instagram, hoje vi uma foto de duas pessoas com as quais trabalhei, sendo uma delas uma amiga que indiquei para a função que ela hoje exerce. Fiquei vendo aquela foto e pensando na parcela de Antônio que havia ali.

E gosto muito disso, sabem? De ver imagens, contemplar momentos e pensar nas pessoas cujas vidas em alguma oportunidade ajudei a construir, mudar, direcionar. É talvez a característica da qual mais tenho orgulho de possuir, esse dinamismo em, através de um movimento ou outro, conseguir impactar e deixar uma marca por ter melhorado a vida de alguém. Já fiz uma série de vezes e recomendo.

Passei vários dias pensando no que escrever, temos aí um ano que recém começou, cheio de esperanças, planos, repleto de coisas boas por acontecer e pessoas que cruzarão nosso caminho diariamente. Quantas mudarão o nosso destino? A vida de quem vou impactar em 2022? Está tudo em nossas mãos, seja de forma consciente ou não. É justamente nessa hora que desejo continuar a ter as mãos bonitas e fazer valer um reconhecimento de mais de vinte anos.

Que seja um ótimo ano para todos nós.

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